terça-feira, 27 de julho de 2010



UM POUQUINHO DE MIM


Nasci às 24:30 h do dia 31 de outubro. Nasci roxa e barriguda, talvez justifica muinha preferência por esta cor e minha aversão por barriga grande. Dizem que sou bruxa mas acho que não sou mesmo já tendo 296 verrugas pelas mãos e pernas. Fiquei no morre não morre por várias vezes até quase completar um ano de vida, de tanta bronquite, até que um farmacêutico me aplicou de 3 em 3 dias um medicamento prescrito para de 3 em 3 semanas. Ele me curou que nem gripe me pega até hoje. Aos 5 anos cai do segundo andar da fazenda onde morava, porque minha irmã mais velha mandou eu virar de cabeça para baixo e eu obedeci. Ela ia segurar minhas pernas e não aguentou, é ate onde consigo me lembrar. Foi quase minha segunda morte. Aos 6 cortei o braço dela com uma faca deixando uma cicatriz enorme, mas foi por culpa de outro irmão que puxou a minha mão e por incrível que pareça eu estava novamente obedecendo. E de tão obediente que era, saía do quarto à noite e ia até a cozinha pegar pedaços de rapadura para todos e escondíamos debaixo do travesseiro nos lambuzando na inocência que mãe não descobriria na manhã seguinte com a gente e as camas todas sujas...rsrsrrs...

Sou atleticana porque uma vez me perguntaram o que eu era e a ingênua aqui perguntou se cruzeiro era muito dinheiro...eu nem sabia quem era quem, ou o quê, mas fiquei com muita raiva deste tal cruzeiro porque riram muito de mim e nunca mais gostei dele...

Aos 7 anos mudei para a cidade e era esquisito a noite ter luzes e não ter brincadeiras com fogo no terreiro. Aos 11 voltei à fazenda e para tristeza descobri que aquele grande mundo de minha infância estava desmoronando e se perdendo em mato...

Minha mãe era costureira e eu andava em disparada pelas ruas para comprar linhas, agulhas e fechos para ela, igual moleque de short e pés no chão subindo e descendo pelas grades do hospital. Aos 13 fui caixa de supermercado e aos 14 convidada para trabalhar em laboratório onde fiquei por 10 anos e me encantei pela area de saúde, pela vida e pelo outro. Aos 16 descobri que odiava meu professor de portugues (odiava porque ele tomou o lugar da minha eterna e querida professora de Português: Ana Lúcia Duarte), que me chamava de Olívia palito, com o qual estou junta há 31 anos. Dos 16 aos 20 saltei de trapézio de circo, desfilei, dancei escondido na discoteca e entre as coisas inéditas para aquela época, aos 20 eu me preparei para casar, recebi muitos presentes, fiz um lindo vestido de noiva e não casei...casando-me somente aos 23 anos com o mesmo noivo, só que desta vez sem avisar ninguem e sem o vestido de noiva. Só contei um dia antes para os meus pais. Tenho muita sorte...tive caxunba duas vezes dos dois lados, catapora duas vezes, uma no ano passado, meningite, o lado esquerdo do útero atrofiado, não tenho a trompa esquerda, não enxergo do olho esquerdo, mas só sei usar o mouse com a mão esquerda e ela também sabe escrever igual a minha perna esquerda sabe andar...por isso tenho muita sorte, porque tudo que me falta, eu tenho dois. Inclusive tenho dois filhos lindos, mas já tive três. Minha filha precisa de um coração e eu queria ter dois para dar um para ela mas se o medico deixasse eu daria mesmo sem ter dois. Meu outro filho era um menino que eu não vi e nunca soube onde colocaram ele...não gosto de pensar nisso. Meu filho é meio cor de rosa e minha filha é branquinha...tenho 18 afilhados e uns ja prometidos, sem contar os de casamento.

Fiz Magistério, Patologia Clínica, Educação Física e uma semana de Farmácia. Aprendi a dirigir namorando meu marido e pilotar moto com outro namorado. Já fui a ultima a ser retirada de um incêndio pavoroso no hospital onde trabalhava onde queimei os braços e as pernas. (Pensei que seria a minha terceira morte neste dia). Aos 13 anos queimei o rosto, o lado esquerdo, ao limpar um fogão a lenha. Foram 6 meses de rosto melequento mas não ficaram cicatrizes. Mas um belo tombo de moto me deixou uma cicatriz no braço direito que esta sumindo aos poucos e na coxa direita...ah...no peito também...

Um dia acordaram-me pela manhã e me contaram que meu irmão 4 anos mais novo que eu tinha morrido. Até hoje acho que tive um pesadelo neste dia...

Tenho cicatrizes na alma e estas nem o tempo apagará, mas aprendi a conviver com elas...eu sempre as deleto quando elas cismam em aparecer...é uma boa técnica...

Um dia minha mãe me pediu para passar o dia das mães com a gente e disse para eu liberá-la no dia seguinte porque ela queria ver seus pais e meu irmão, então no outro dia ela morreu pela manhã, assim do nada. O meu pai também morreu, mas um dia antes eu falei para meus irmãos que ele ia morrer e assim foi. Eu dei banho e passei perfume nele depois de morto porque ele gostava muito de ficar cheiroso. Acho que sou orfã...só agora descobri isso. Fui visitar meu sogro no hospital numa segunda-feira, falei para minha irmã que não tinha gostado de algo no olhar dele e ela me chamou de boba. Ele ia sair do hospital na sexta mas faleceu na quinta. Pra minha sogra eu falei que ela podia descansar que eu ajudaria a cuidar dos filhos dela, ela me olhou nos olhos fixamente por segundos e no dia seguinte descansou...tenho medo de umas coisas, mas sou muito corajosa. Já fiz rapel em um viaduto muito alto em Ipatinga e em uma cascata de 113 metros de queda dágua. Fiz montanhismo...adoro avião e um dia ainda salto lá de cima, escondido do meu marido, é claro...

Não gosto de arroz nem de tomar água gelada mas não me importo de nadar em piscina fria mesmo no inverno. Não gosto de sal, nem muito açúcar no café mas adoro café forte. Gosto muito de macarrão, feijão e folhas cruas, sem tempero. Tenho muiitttooos amigos, mas quando eu falo muito é porque é muito mesmo e isso é muito bom.

Gosto de coisas simples...e fico feliz quando as moças que varrem rua tomam café da manhã na mesa com a gente aqui em casa. Abraço e beijo meus menininhos da natação, corto, hidrato e até tiro piolho deles. Eu queria ter uma creche e cuidar de muitas crianças carentes...

Sou feliz com uma tristeza embutida que passa despercebida. Choro sempre escondida. Sou uma tímida que se revela às vezes. Sou completamente da paz e do perdão.Minhas raivas duram menos que o tempo que gastariam para se alojarem dentro de mim, ou seja, não duram nada. Não tenho raiva de nada nem de ninguém. Sou da vida e do tempo que tenho e como não tenho controle desse tempo, faço dele o melhor tempo possível. Sou consciente e de consciência e de poucas palavras. Sou capaz de falar sozinha e ficar horas sem falar nada. Sou assim, meio fada, meio bruxa, meio feiticeira, meio gente e muito EU. Sou o bastante para me qualificar e me desqualificar. Falo uma vez e deixo que falem. Acredito em verdades e sigo essas verdades. Não suporto qualquer tipo de injustiça. Sou uma fortaleza mas uma palavra mal colocada pode me enfraquecer em segundos. Mas existe uma força muito grande dentro e mim que me levanta, que desobstrui meus caminhos, que me embala nos braços quando eu canso, que me dá as mãos quando eu penso que não vou conseguir e que me mostra a luz quando eu sinto o peito vazio e descubro que ele não está vazio porque dentro dele mora um enorme DEUS, que me guia e me ampara todos os dias de minha vida, todos os segundos, em todas as minhas ações.

Só um resuminho do que tenho para falar...



Wilma Gomes Domingues de Castro.



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