domingo, 20 de março de 2011

O ÚTIL E O FÚTIL

Um F a mais. É o que inicialmente diferencia o fútil do útil. Um, tão discriminado. Outro, venerado dia a dia como um deus a quem entregamos nossas vidas.
No dicionário, útil é o que serve para alguma coisa. Já o fútil é leviano, frívolo, vão, inútil.
E levamos a sério o pai dos burros. Nem bem o sol levanta e já estamos a postos a serviço da utilidade. Trabalhamos para comer, sobreviver, comprar coisas. Opa: comprar o que é útil, claro.
Às lojas de roupinhas, sapatinhos e afins, vamos escondidos, na calada da noite, sentindo uma culpa inútil e amordaçada. Para que o colar? Para que mais um vestido? De que serve um sapato cor-de-rosa se você já tem um vermelho?
E, enquanto o útil trabalha de sol a sol, o fútil cantarola deitado em uma espreguiçadeira à beira da piscina de um hotel cinco-estrelas. Vez por outra o útil limpa o suor e avista seu rival refestelado e com o melhor humor do mundo.
E volta à pauta do dia azedo e abominando o prazer. Afinal para que serve o prazer?
Música, cinema, livros, estrelas, vinhos, beijo na boca, pontos turísticos. Para que serve tudo isso? O valor do prazer mora justamente em seu desserviço.
A utilidade não. Ela é quantificável. Cabe em gráficos de produtividade. Já o fútil, ah, o fútil não tem preço.
Verdade seja dita: a utilidade morre de inveja da futilidade. Volta e meia se sente usada, ao passo que a futilidade se regozija com sorrisos frívolos e gritinhos vãos.
Ah, como a utilidade queria para ela esses prazeres levianos...
Que conquistemos o nosso direito de ser fúteis. Que estejamos longe de ser somente úteis.
Que alcancemos um dia a qualidade de ser desnecessariamente necessários.
Fonte: Revista GLOSS (por Cris Guerra)
Transcrito por: Wilma Domingues de Castro

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